sexta-feira, 23 de outubro de 2015

É matéria séria ou sacanagem?

História de um bloquinho de reportagem que encontrei durante faxina no armário



Osasco, sexta-feira, 16 de junho de 2012. Era por volta das 17h. Há quatro dias eu havia sido escalado na reunião de pauta do Estadão para seguir João Paulo Cunha, então deputado do PT e pré-candidato a prefeito de Osasco. Único réu que, àquela fase do escândalo, ainda tentava se eleger. Eu tentava localizá-lo, mas a assessoria (cumprindo seu papel) negligenciava a agenda dele. Na quinta à noite, tomei um balão. Ele voltou cedo de Brasília e cumpriu agenda em Osasco. Eu tinha essa pista, mas perdi. Decidi passar a sexta-feira na cidade. Cheguei de manhã e fiz plantão na porta da casa dele, no escritório político, na sede do PT, na prefeitura. E nada. Até que pensei: em alguma hora ele vai passar no escritório. Fiquei sentado em um banco na praça em frente ao sobrado. Vi um repórter da Folha, mais experiente que eu, chegar e sair do escritório sem sucesso. Achei que a estratégia era quente. Bingo. Eis que um VW Jetta preto 2.0, com interior em couro claro, parou bruscamente na porta do escritório, no fim da tarde. Corri e bati nas costas dele, que já subia apressado a escada do sobrado onde funcionava sua base local.

- "Deputado, como vai? Sou Felipe, jornalista, gostaria de conversar com você".

Ele, que nunca me vira antes, me fala para entrar. Subimos ao segundo andar. Já em sua sala, ele pergunta se eu gostaria de um café ou água, toma assento em uma poltrona preta, me convida a sentar no sofá ao lado. Aí vem o diálogo rabiscado nas páginas. Traduzo os garranchos aqui:

- É matéria ou ping pong?, perguntou o deputado.

- É matéria, mas... Pode gravar?, respondo, já com gravador acionado.

- É matéria séria ou sacanagem?, diz ele com expressão cerrada.

- É matéria para mostrar a campanha do senhor.

Havia uns bons anos que João Paulo não dava entrevista aos jornalões. Conversarmos por cerca de 40 minutos. Pedi para acompanhar a agenda de campanha no fim de semana, até então ocultada da imprensa. Passei o sábado e o domingo de manhã com ele em uma reunião sindical, visita a uma UBS e um comício com partidos aliados na Zona Norte da cidade. Eu, ele, o motorista, uma assessora e o fotógrafo dele, Sérgio Gobatti. O nosso, José Patrício, companheiro bom de pautas pesadas, fez a foto para o jornal. Voltei à redação na tarde de domingo, sem almoçar, e escrevi o que seria a página 4 daquela segunda-feira 18/06/2014. Era matéria e ping pong.

Depois da reportagem, o deputado visitou a diretoria de Redação. Não sei o que conversaram, nem como foi marcado o encontro. Soube apenas que ele havia dito que se sentiu tratado de maneira “honesta”. Entendi como um “não teve sacanagem”.

Algumas semanas depois, João Paulo seria condenado no STF e renunciaria à candidatura em prol de Jorge Lapas, atual prefeito de Osasco. Foi uma noite tensa. Teve agressão de militantes aos jornalistas e tudo mais. A reunião era fechada, na sede de um sindicato, com imprensa na porta. Nenhuma palavra oficial. Nada de entrevistas. João Paulo abandonava a candidatura e se preparava para passar um tempo na cadeia. Mas isso é história para outro bloquinho...