sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Minha primeira morte



O fato causa impacto. Incrédulo, leio na internet a nota bancada por uma revista americana: Morre, aos 32 anos, o surfista tricampeão mundial Andy Irons. Ele deixa o filho e a esposa, grávida há sete meses.

Funcionários de um hotel em Dallas, nos Texas, encotraram o havaiano morto no quarto. Ele voltava de uma competição. Sequer pôde disputá-la. Fragilizado pela dengue, relata a família, Irons deixou Porto Rico, mas não conseguiu embarcar no avião em conexão dos Estados Unidos para o Havaí.

Redação do Estadão.

Terça-feira, 2/11, 21h12. Pulo da cadeira. Interrompo uma conversa. E corro. Saio da baia de Política e vou à editoria de Esportes. Por pouco não acho ninguém. As páginas estão fechadas. Dirijo-me aos editores, quase de saída: “Notícia de última hora...”

- Quem deu? - perguntam, Gilson e Maluf, editores responsáveis pelo caderno.

- Só uma revista americana, a Surfer. Outros atletas havaianos e profissionais do surfe comentaram no twitter.

- Nenhuma agência internacional, Felipe?

- Não.

Alguns segundos de silêncio.

- Não dá pra bancar ainda. Temos que esperar um pouco. Mas vamos abrir a página.

- Vou checar e já trago novidades.

21h15. Começo a apurar. Pesquiso na internet. Só o mesmo site mantém a informação. Abro minha agenda. Representantes do circuito mundial no Brasil ouviram falar, mas não têm mais informações. Tento contato com os patrocinadores do atleta. Nada feito. Ninguém atende. Solução: telefonar para o Havaí, claro.

“Jodi?”, pergunto pela diretora de imprensa do escritório da Associação dos Surfistas Profissionais (ASP). Ela não está na sala. Apresento-me e peço o telefone direto.

Primeira tentativa. Segunda... “Hello!” Pronto. Consegui. Apresento-me mais uma vez. A situação é desconfortável. Introduzo o assunto com calma. Sem alarde. “Sim, é verdade”, ela responde. Ao que a conversa segue, objetivamente, por mais quatro minutos.

21h30. Corro de volta. Caiu parte da reportagem sobre a Fórmula 1. A página está sendo escrita pela repórter Amanda Romanelli. Lead e um perfil breve, composto com foto de arquivo, bem grande, no alto, à direita. Memória, lê-se no topo. 1978-2010. Acrescento as informações e o depoimento de Jodi. Recuperamos parte de uma exclusiva com Irons publicada este ano no Estadão.

Concluímos o trabalho por volta das 22h. Outros sites começavam a repercutir, mas as agências ainda silenciavam. No dia seguinte, soubemos por elas que a perícia encontrou frascos de remédio ao lado da cama, motivo pelo qual especula-se overdose de um medicamento semelhante à morfina, para aliviar a dor. A família rejeita a versão – penso se não nos precipitamos? –, mas o resultado dos exames vai demorar 90 dias.

Somente quando paro, percebo o contraste: dois dias antes, fizemos uma matéria sobre a brasileira Isabela Sousa, de 20 anos. Ela sagrara-se campeã mundial de bodyboard na Venezuela. O trabalho foi parecido: apuração a distância, ligações internacionais, um esporte pouco badalado em destaque no jornal. Jamais imaginaria, porém, que dali a pouco, traria uma daquelas notícias que ninguém gosta de dar.

Fiquei com a sensação de ter feito o trabalho correto. Nada mais. E talvez seja assim que o jornalista deva se sentir. Fui pra casa um tanto perplexo com a morte inesperada, mas com o dever social cumprido.

Links das matérias:

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101103/not_imp633843,0.php

http://www.aspworldtour.com/andyirons/


Também publicado no Blog Em Foca, do jornal O Estado de S. Paulo

domingo, 7 de novembro de 2010

Suplemento Focas

Todo ano, os focas produzem um caderno especial ao fim do curso. O nosso já está em andamento. Nesta terça-feira, discutiremos algumas pautas pré-apuradas sobre cinco temas diferentes, eleitos por votação interna entre mais de 30 sugeridos inicialmente. A reunião eliminará dois. Os três “sobreviventes” serão apresentados pela nossa orientadora editorial, Carla Miranda (editora do caderno Viagem), à direção de conteúdo do Estado.

Estamos concentrados no primeiro dos três pilares de sustentação de uma reportagem:

Pauta (Ideia) – Apuração (Documentação) – Texto (Escrita)

Em seus encontros conosco, o jornalista espanhol Paco Sánchez salientou a importância de uma ideia original. A reportagem é um banquinho de três pernas interligadas. Se uma falhar, a matéria fica bamba. E cai.

Assim, decidimos fazer um suplemento com temática metropolitana. Ela nos permitirá exercitar a edição, criar páginas conceituais, explorar a diagramação, o texto e, sobretudo, experimentar a reportagem nas ruas.

O suplemento Focas chegará às bancas logo na primeira semana de dezembro. Até lá, teremos manhãs, dias, noites e, a depender da pauta, até madrugadas de trabalho. Aqui no blog você poderá acompanhar cada etapa da produção. E ainda contribuir: se você tem alguma sugestão de pauta, deixe um comentário abaixo. Mas, lembre-se: somos 30 jornalistas. Quanto mais assuntos o tema suscitar, melhor.

Originalmente publicado no Blog Em Foca, do jornal O Estado de S. Paulo


O jornalismo e o número ‘dois’

Faz uma semana, fomos duplamente presenteados por Cecília Thompson. A começar pela sua vivacidade. Quanta paixão! Quem a vê sem notar além da aparência não reconhece a jornalista que, há dois anos, ainda trabalhava na redação do Estado. “É a dos meus sonhos”, lembra, orgulhosa.

Jornalista de alma indignada, Cecília foi uma das precursoras da invasão feminina nos jornais. Escritora, militante do teatro e do cinema, sua biografia causa uma inveja saudável.

A admiração pela história dela cresceu quando, de forma envolvente, nos contou sobre a resistência à ditadura militar no Brasil. À época, tinha duas ocupações: era repórter do Estado e agitava o Teatro de Arena de São Paulo – ela era casada com o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri (de Eles não usam black-tie), com quem teve dois filhos.

Por mais de duas horas, a doce Cecília conversou conosco. Contou muitos casos do jornalismo brasileiro. Uma oportunidade memorável. Aos iniciantes na profissão – ou no modo de viver jornalístico, como seria mais apropriado para ser fiel ao que ela disse –, Cecília deixou algumas dicas essenciais:

1. Ter um português perfeito
2. Apurar cuidadosamente
3. Checar a informação duas vezes
4. Ouvir os dois lados da história
5. Escutar, no mínimo, duas fontes
6. Reler o texto duas vezes

Além de sua presença, Cecília também deu um livro a cada foca. Ela está se desfazendo de sua biblioteca. “Temos metade da vida para acumular, e a outra metade para doar”, disse.

Carinhosamente, nos dedicou um retrato de quando ingressou na redação. A mensagem, agora, enfeita nossa sala de treinamento.


Originalmente publicado no Blog Em Foca, do jornal O Estado de S. Paulo