sexta-feira, 5 de junho de 2009

Memória de pescador


Terminei de ler, há pouco, o livro Quase-memória, do C. H. Cony. É daqueles de leitura fácil e prazerosa. Diria que um livro familiar, da infância dele, e, principalmente, sobre o pai.

Me fez, igualmente, pensar nas minhas memórias de garoto. Alguém que tenha deixado saudade? O único que me recordo, era meu tio, na verdade primo de minha mãe, Jorge. Tio pescador, morreu quando eu ainda era criança, devia ter uns 10 anos...

Para ganhar vida era mecânico, mas como gostava de pescar! Levava-nos para pescar, a mim, meu irmão e suas filhas. Os verões em Cabo Frio sempre era alegres, me lembro bem, apesar da pouca idade.

Peguei o gosto também (pensando bem, acho que eu tinha uns oito ou nove anos, quando ele faleceu). Comprei uma varinha e molinete, em viagem aos Estados Unidos. Pertubei minha mãe para que comprássemos por aquela pechincha - uns nove dólares, não mais que 10 reais, em 1996.

De volta a Cabo Frio - e quase tudo comigo acontece em Cabo Frio -, comecei a pescar sozinho à beira do Canal do Itajuru. Fiz amizades com outros pescadores, todos, sem exceção, bem mais idosos do que eu. Todos os dias, saía para pescar pela manhã e voltava na hora do almoço com alguma meia dúzia de carapicus - espécie miúda mesmo, mas que "dá", abundantemente, naquele canal, ou pelo menos, à época, dava, hoje, com tanta poluição, já não garanto.

Pois bem. Tio Jorginho morreu de pneumonia, causada pelo agravamento de uma gripe fortíssima, e pelo cigarro, que sempre o acompanhava. E pela pesca. Nem debaixo de chuva, já doente, deixou de ir pescar sob a Ponte Rio-Niterói.

Fiquei abalado, todos na família gostavam muito dele. Não fui ao enterro - minha mãe, não achava bom. A forma escolhida para homenageá-lo foi a seguinte: na próxima vez em que fosse pescar, o primeiro peixe fisgado seria devolvido ao mar.

Como eu só pescava em Cabo Frio, e ali, no Canal do Itajuru, demorei a cumprir a promessa - tinha de esperar um feriado, férias, algo do tipo. Quase a esqueci, tão eufórico fiquei, quando peguei o maior peixe da minha vida. Era um carapicu daqueles, como nunca tinha visto antes - e nem vi depois. Mal o tirei da água, excitadíssimo, fui lembrado por minha mãe da "promessa". Por um momento fiquei triste em ter de devolver o maior peixe que já pesquei, em não poder levá-lo para meu avô comê-lo frito, como sempre fazia, mas logo percebi que havia algo de especial. E lá foi ele, forte, o maior de todos, de volta ao canal. A pescaria, era, sim, minha maior ligação com o tio.

De certa forma, não penso em voltar a pescar. Pode até ser que volte, e já pesquei outras vezes depois (lembro, agora, de uma filápia em Piraí), mas nunca trouxe um peixe maior do que o "prometido". Sequer agarrei um. Tomara que seja sempre assim. Tenho vontade de que aquele carapicu continue a ser o maior peixe de minha vida.