sexta-feira, 22 de julho de 2011

Na cabeça


Aos 91 anos, o Comandante de honra do Exército Constitucionalista de 1932, Alfredo Pires Filho, acompanhou, de pé em um jipe durante uma hora, a passagem de todas as guarnições das Forças Armadas no desfile militar em homenagem aos 79 anos da Revolução, dia 9 de julho no Obelisco do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Ao lado de três bisnetos, ele bateu continência e reverenciou a exibição ostensiva do aparato armado do Estado.

Atencioso, acenava o tempo todo, com o símbolo dos soldados da Revolução, literalmente, na cabeça: um capacete verde de ferro, modelo inglês, que ganhou dos militares à época da batalha. "Foi lindo, lindo, lindo. Aos 91, já não espera essa homenagem," diz o comandante Pires, que também recebeu a medalha constitucionalista.

"Oferta do povo paulista aos soldados da Constituição."

Seu Pires, que há um ano e meio foi convidado pela Sociedade de Veteranos de 32 (MMDC) a assumir o posto de Comandante do Exército, era apenas um escoteiro de 12 anos em 1932. O garoto ganhou o capacete, que tem a inscrição interna: Oferta do povo paulista aos soldados da Constituição. Ele fora buscar capacetes como aquele na fábrica Silex, no Ipiranga, para levá-los ao quartel da Rua Conselheiro Brotero. Como recompensa pelo apoio, recebeu de presente um exemplar do comandante do batalhão.

Até hoje o capacete é objeto de estima na família, conta um dos filhos de Seu Pires, o economista Luiz Roberto Brandão Pires, de 64 anos. "Sempre ouvíamos falar dos combates em casa. O capacete ficava numa estante, num lugar visível."

O aposentado José Carlos Coutinho, de 70 anos, tem o mesmo carinho com as medalhas e o protetor que pertenceu ao pai. "Não é qualquer um que tem um desses," diz, em referência à originalidade da peça. Todo dia 9 de julho, Coutinho sai de São Bernardo do Campo para homenagear os revolucionários. E comemorar o aniversário do pai, o ex-soldado Ajácio Maia Coutinho, que levou estilhaços de bomba no pescoço, mas sobreviveu à guerrilha.

Morto há 25 anos, Ajácio completaria 101 anos dia 9 de julho, recorda-se José Carlos Coutinho, que levou o neto André Zanon, de 15, para exibir o capacete do bisavô na parada militar. "Temos que acompanhar a tradição e lembrar do aniversário dele. Ano que vem faz 80 anos de Revolução e quero desfilar," diz orgulhoso dos feitos do pai.

Até os últimos minutos do cortejo, os Coutinho eram parados por outros familiares de veteranos desejosos por tocar e vestir o capacete, que preserva as iniciais A. C. (de Ajácio Coutinho) na parte de dentro. São aficionados pela Revolução de 32, contadores de histórias e bastidores da guerra, como o aposentado Leonel Berno, de 79 anos, nascido no ano em que o pai, Antônio Berno, fora lutar na Trincheira de Guaratinguetá.


Retrato. Um soldado recostado no rifle, em frente aos portões de ferro do Mausoléu dos heróis constitucionalistas (na base do Obelisco), com o capacete levemente tombado sobre os olhos mareados e a feição contemplativa. A imagem foi pintada pela artista amadora Camila Giudice, de 28 anos, também diretora do MMDC. Todos os anos ela faz telas com motivos da Revolução de 32 para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). "A tristeza dele leva a refletir se valeu a pena lutar pela Constituição. Eles deram a vida por isso, e ela está sendo desrespeitada," diz Camila, neta do ex-combatente Paulo Lobato Giudice.

Durante a cerimônia, restos mortais de dez veteranos da Revolução de 1932, que lutaram contra o regime provisório do ex-presidente Getúlio Vargas, no poder desde 1930, foram depositados este ano no Mausoléu. Eles defendiam a promulgação de uma nova constituição para o Brasil - o que ocorreu somente em 1934 -, mas foram derrotados pelas forças governistas de Vargas no período de 9 de julho a 4 de outubro de 32.

Em 20 de junho deste ano, os nomes dos estudantes paulistas assassinados em 32 Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo - iniciais da sigla MMDC - foram inscritos no Livro de Heróis da Pátria.